Arrefecimento

Fico sentada e não desembacio o espelho. Tenho sempre muito frio quando estou triste. A tristeza evaporase-me pelos poros e não passa sem deixar um arrepio como marca. Devia ir secar o cabelo e não vou. Deixo-me estar. Se calhar vou ficar doente e posso faltar ao trabalho. Há quase três anos que não estou doente. Nunca posso faltar ao trabalho por mim. Só pelos outros. O vapor escorre pela porta, pelos vidros e pelas louças da casa-de-banho, tranforma-se em água e vai tingido tudo com um brilho que apetece lamber. Gostava de ser louca, lamber o chão e depois deitar-me nele. O meu corpo nú pegado ao chão frio, tapar-me com a toalha do banho e dormir aí. Gostava de ser louca, porque só a eles lhes é concedido a impunidade de falar a verdade. Aos sãos cada palavra é cobrada à letra. Cada frase, anotada. Cada intenção, registada. Fica difícil não ter frio

6 thoughts on “Arrefecimento

  1. Como não te consigo comentar no “Parece Mal”, mesmo que tenhas emigrado do mesmo, tinha de vir cá. Adoro as tuas linhas cáusticas, humorísticas, introspectivas e pungentes (como este belo exemplo).
    Emigra quantas vezes desejares, mas não nos deixes órfãos das tuas palavras e imagéticas.

    Beijo.

    • Olá Eros,
      Desconhecia que lias o meu outro blogue e não me recordo que alguma vez o tenhas comentado.
      Agradeço o teu elogio. “não nos deixes” Não tenho ideia de ter um público, acho que o meu blogue é mesmo lido por 5 pessoas, 2 das quais foram lá parar por acaso. Mas pelos vistos tu não.
      Já não escrevo nada de jeito há mais de um ano.

      • Não comento o outro tasco (reaberto há poucos dias), pois recebo sempre a mensagem de que não tenho autorização para tal. Mas sim, visito-te, pois considero o local uma passagem de culto.

  2. Já me constou que havia algo a funcionar mal com os comentários, já resolvi o problema.
    A liberdade de expressão está de volta, pelo menos no blogue. Ao contrário das igrejas, o silêncio não será mandatório.

Leave a comment